Nem olhares duros
nem palavras severas
Devem afugentar quem ama
As rosas tem espinhos
e no entanto as colhemo-as

Shakespeare
Tudo junto e tudo misturado
As várias emoções que sente
um coração que vive apaixonado

segunda-feira, 8 de março de 2010

Personalidade a sua frente / Anayde



Anayde Beiriz, (1905/1930), a exemplo de uma Frida kahlo; de uma Simone de Beauvoir; de uma Patrícia Galvão, de pseudônimo Pagu, ou de uma mítica Branca Dias, heroína do Brasil Colonial, só para ficarmos nesses exemplos, foi mulher muito adiante do seu tempo.

Foi o que se poderia chamar de Nova Mulher na conceituação da grande líder revolucionária russa, teórica do marxismo, e militante activa durante a Revolução Russa de 1917 Alexandra Kollontai, para quem a mulher deve fazer sua história, acreditar nela, com fé e coragem e seguir adiante.

Anayde mais que uma simples professora e poetisa brasileira, foi uma revolucionária de visão muito além do seu tempo, vanguarda que foi da luta pelo emancipacionismo feminino e, além de tudo, uma mulher intelectual, mas, sem perder a ternura, como diria o nosso Che, igualmente de um temperamento de nuances: romântico, jovial, cintilante, carinhoso e ousado.

A jovem Anayde viveu sempre aberta às inovações, impulsionada pelo amor, escritora de verve talentosa, sofreu influências, como outros avançados intelectuais do seu tempo, da semana de arte moderna de São Paulo/1922.

Para a mentalidade retro-conservadora da sociedade brasileira à época e, particularmente na Paraíba, Anayde não era uma mulher bem vista, isso por causa de suas idéias avançadas e progressistas as quais ela mesma alimentava: como poetisa, participava ativamente do movimento intelectual, envolvida em acontecimentos artísticos e freqüentando saraus literários; sensual e libertária era publicamente a favor do emancipacionismo feminino, com seu vanguardismo, saia às ruas sozinha, fumava, escrevia versos impactantes, até mesmo para a intelectualidade da época e, como cidadã, defendia a participação das mulheres na política, em uma época em que sequer elas tinham o direito ao voto; ousava em sua maneira de se vestir (o uso dos decotes), o corte dos cabelos, “à la garçonne”, e a maneira de vivenciar o amor livre causaram escândalo. Anayde não se prendia a convenções de quaisquer natureza.

Conseqüentemente, passou a ser considerada urna agressora da moral e costumes da sociedade repressiva da época, isso devido aos seus textos de linguagem audaciosa e livre, assim como pelo seu próprio comportamento.

Perseguida, viveu sob um clima de extrema preconceituosidade dentro da sociedade arcaico-medieval da Paraíba de época.

Mulher de índole visceralmente revolucionária – por mais que busquem ignorar os vis filisteus de ontem e hoje - ante as características adversas do seu tempo, nos cabe exaltar, em reverso à história oficial, a história e a luta singular dessa extraordinária mulher paraibana, a qual, ainda, por saga de sua paixão, municiou à Revolução de 1930.

Tendo se destacado durante os seus estudos, formou-se na Escola Normal em maio de 1922, com apenas dezessete anos de idade, destacando-se como primeira aluna de sua classe. Após a diplomação, passou, a lecionar, alfabetizando os pescadores da então vila de Cabedelo.

Alem disso a jovem e bela, Anayde foi a vencedora de um concurso de beleza promovido pelo Correio da Manhã em 1925. Chamavam a atenção os seus olhos de cor negra, que lhe valeram o apelido, em seu círculo de amizades, de "a pantera dos olhos dormentes".

Poetisa, cultivada, amante das artes e da literatura, passou, assim, a ser igualmente, a companheira do advogado e jornalista João Duarte Dantas, engajado na vida política de sua época, ligado ao Partido Revolucionário Paulista, antagonista do Presidente João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, com quem Anayde mantinha um relacionamento amoroso iniciado em 1928.

Relacionamento esse que não se interrompeu nem mesmo quando da chamada Guerra de Princesa. João Dantas, refugiado circunstancialmente em Recife, manteve com Anayde um relacionamento epistolar a distancia, através de farta correspondência.

Sendo uma mulher emancipada para os costumes do seu tempo, Anayde, perturbou a sociedade conservadora da Paraíba, nos anos 20/30.

Ousou exprimir uma sensibilidade que chocou o modelo de moralidade prevalente naquela sociedade. Além de tudo existia o seu relacionamento com o advogado João Dantas, seu companheiro, adversário de João Pessoa.

No final dos anos 20 e inicio dos anos 30, a política brasileira sofreu reviravoltas importantes. Historicamente, a chamada política do “café com leite” dividia o poder entre os Estados de São Paulo e Minas Gerais, causando o mal-estar dos outros Estados.

O bloco político, do qual o Presidente João Pessoa fazia parte, contrariava esse estado de coisas, daí o NEGO insculpido na bandeira e, como tal, as disputas políticas, se tornaram violentas e as questões pessoais, como não poderiam deixar de ser, vieram a se misturar às questões da vida pública.

Acuado pelos adversários, o Presidente João Pessoa reagiu e mandou a polícia revistar as casas dos revoltosos e suspeitos de toda ordem, em busca de armas que pudessem ser utilizadas em uma revolta armada. Um desses locais foi o escritório do advogado João Dantas, invadido em 10 de julho de 1930. Embora não tenham sido encontradas armas, os policiais depredaram as instalações e arrombam o cofre, onde foi encontrada a correspondência de Dantas, inclusive cartas e poemas de amor interagidos entre ele e Anayde Beiriz.

Nos dias seguintes, o jornal governista "A União", e outros órgãos de imprensa estadual ligados ao governo local, publicaram de forma a mais escandalosa, o conteúdo das cartas e poemas dos amantes, extraindo e propalando o seu pseudo conteúdo erótico, lançando á lama a ligação amorosa de João Dantis e Anayde Beiriz, visando fulminar a honra de Dantas.

Eclodiu o escândalo e João Dantas, furioso, ante a atitude do Presidente João Pessoa, acompanhado de um cunhado, Augusto Caldas, entra na Confeitaria Glória, no Recife, onde se encontrava o Presidente e dispara a queima roupa contra o peito de João Pessoa, matando-o. Lavava, no seu entender, com esse gesto, a sua honra ofendida, com sangue adversário.

Este ocorrido, entre outros fatos, serviu de pivô para uma convulsão nacional que mudou o rumo nas decisões políticas do Brasil. Os grupos políticos se incumbiram do alarde, ampliaram os fatos e, em seguida, teve curso a Revolução de 30. Isto é, as cenas da vida privada, pelo viés das relações amorosas, provocaram uma revirada na ordem das forças políticas nacionais; as quais eram representadas, de um lado, pelos correligionários políticos de João Pessoa, e do outro lado, pelas facções que tinham o apoio dos Dantas. Preso em flagrante, João Dantas, após ter assassinado João Pessoa, é encarcerado na Casa de Detenção de Recife onde foi encontrado degolado.

Perseguida sem tréguas pelas ruas e, apontada em todos os lugares como a “prostituta” do bandido que matou o Presidente João Pessoa” Acuada, desesperada, sem ter onde se abrigar, sem amigos, sem nada, ante a comoção popular, nunca vista, que seguiu-se ao assassinato do Presidente João Pessoa, Anayde, em polvorosa, abandonou em definitivo a sua residência na Paraíba e foi morar incognita em um abrigo ( o seu último) no Recife, onde veio a visitar João Dantas.

Abandonada por todos, Anayde Beiriz veio a falecer, ao que dizem, por envenenamento, por ela provocado, quando sob os cuidados de freiras. O seu corpo foi sepultado (ou atirado) como indigente no Cemitério de Santo Amaro, em Recife.

Hoje, a sua história, tematizada no teatro, no cinema e na literatura, nos instiga a pensar sobre essa extraordinária paraibana que ainda está a merecer de nós seus conterrâneos, mais que estudos de profundidade e teses, mas, igualmente compreensão e respeito ao seu caráter de vanguarda a sua dimensão intelectual, mas, sobretudo, ao seu exemplo embora trágico, porém imorredouro, de mulher que a custa da própria vida, se fez mítico estandarte do não-conformismo e emancipacionismo feminino e cuja luta ainda encontra eco e produz desconforto na larga e extenuante avenida que no entanto um dia conduzirá a libertação da mulher.


Texto dedicado a Defensora Pública Maria de Fátima Sousa Dantas

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